Inundações na Baixa, pântano de 1876, leis de Newton e o "Maputo que cresce na zona errada"

Cheias na Av 25 de Setembro na Baixa de Maputo
Vamos ver de perto diversos locais afectados por cheias em diversos anos na Baixa de Maputo incluindo na Avenida 25 de Setembro e as suas proximidades, de poente para nascente:
FOTO 0
FOTO 1
FOTO 2 a
FOTO 2 b
FOTO 3 a
FOTO 3 b
FOTO 4 a

FOTO 4 b

FOTO 5
Marcámos no mapa actual da Baixa aproximadamente os pontos na Avenida 25 de Setembro e as suas proximidades onde as fotos de cima foram tiradas. Depois transpusemos a Avenida 25 de Setembro do mapa actual para cima do mapa de 1876 usando como ponto comum a Rua da Gávea. O resultado é este:

























Lourenço Marques em 1876: A ilha centrada à volta da Rua da Alegria 
(actual Consiglieri Pedroso) rodeada pelo pântano a norte e pelo estuário a sul.
Números marcados a vermelho: locais onde as fotos acima foram tiradas
 na Avenida 25 de Setembro.
Desde o número 0 (o local mais a poente junto 
ao cruzamento com Av. Guerra Popular) 
até ao número 5 (o local mais a nascente 
pouco a seguir ao Café Continental).
Desta  transposição concluímos que o ponto onde a Foto 0 foi tirada corresponde a estar a meio do antigo pântano, as fotos 1, 2 (a, b e c) e 3 (a e b) foram tiradas aproximadamente no que corresponde a estar na parte sul do pântano ou na sua berma, as fotos 4 (a e b) foram tiradas no que corresponde a estar no meio do pântano e a foto 5 foi tirada num ponto da berma sul do antigo pântano. Estas marcações são dos pontos onde foram tiradas as fotos. Como em todas as fotos há água espalhada por todo o lado, não é muito dificil concluir que as zonas mais inundáveis da baixa ou estão exactamente onde era o antigo pântano ou nas suas proximidades (de notar por ex. que a foto 5 foi tirada onde seria a berma do pântano mas a zona inundada seria no pântano se quisermos ir ao pormenor). 
Em casos de grandes inundações a área atingida é mais larga do que nestes 10 pontos indicados. Esse foi o caso da depressão tropical Claude em 1966 em que a rua correspondente à Salamanguene no mapa de cima (agora é a Joaquim Lapa) ficou bastante inundada mesmo sendo no meio da ilha original, mas nas inundações "normais" as zonas atingidas são ao centro ou margens do antigo pântano.
Porquê? Diz uma das leis da Fisica Newtoniana que "Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo". Quando se decidiu secar o pântano e aterrar depois essa depressão natural, estava-se a obrigar a água que aí se acumularia em caso de chuva a ir para outro lado. O que vem acontecendo desde então é que o caminho de escoamento natural da água é cada vez mais longo (dado o crescimento do cais para o lado do estuário) e difícil (mais construções, viaturas, etc) e os picos de água são cada vez mais intensos e agudos (devido às mudanças climáticas e à impermeabilização dos solos na Baixa e a montante). 
O local final da feitoria de Lourenço Marques depois de muitas andanças deve ter sido escolhido por razões de defesa pois uma ilha rodeada de pântano era mais protegida quando os negócios se tornavam azedos. Ao princípio isso foi uma vantagem mas depois a ilha era insalubre e tornou-se demasiadamente pequena. Foi necessário secar e aterrar o pântano e agora sofrem-se as consequências de intervir na natureza. Houve uma altura em que foi considerado o desenvolvimento únicamente da cidade alta, ficando a ilha para o porto mas não se prossegui nesse caminho.
Não faço ideia se e como os engenheiros do General Machado de 7.3.1877 encarreguados de secar o pântano previram o escoamento posterior de água pluvial na Baixa, se esperavam que não houvesse problemas ou se nem pensaram no assunto. Mas por muita visão que tivessem nunca imaginariam que a cidade fosse crescer tanto, que toda a água escorreria da alta para a baixa devido à pavimentação dos solos, que a linha do estuário viria a ficar tão longe, que as sarjetas se tivessem pensado nelas fossem mal limpas e que ficassem cheias de sacos plásticos e mesmo que a zona para nascente da actual Av. 25 de Setembro viesse a ser primeiro aterrada e, agravando agora o problema, se tenha tornado o climax do "Maputo que cresce na zona errada". 
Mas por mais canais de escoamento que tivessem feito ou planeado e por mais largos e profundos que fossem, não teriam resolvido o problema que surge da conjugação de chuva forte com maré alta/viva e vento sobrando do sul criando ondulação que impede o escoamento da água para o estuário. As soluções seriam desviar a água descendo da alta para outro local e/ou criar zonas de armazenamento de água na Baixa. Qualquer uma delas seria extremamente dispendiosa e difícil de executar na cidade actual, mas talvez pudesse ter sido ser pensado com as obras da ponte para a Catembe e aplicando sistemas de bombagem mas pelo que aconteceu em Fevereiro de 2018 nada se fez.
Para concluir, verificámos neste artigo que as inundações na Baixa são mais graves onde havia o pântano. Os engenheiros de 1877 não trataram bem do problema mas os meios técnicos e financeiros da época eram limitadissimos. Podiam ter aterrado o pântano mais alto mas a água iria para outros locais à volta por isso tal solução seria sempre parcial.  Entretanto passaram mais de 125 anos, os poderes foram mudando, e mesmo contando com meios técnicos infinitamente superiores aos disponíveis inicialmente o problema continua a não ter sido resolvido. 
Há uns anos, trabalhos na zona inundável em frente à estação
 (marcada a roxo no mapa de 1926 na berma do pântano)


Este era um novo colector de águas pluviais na Praça dos Trabalhadores para "resolver o problema das inundações" mas o seu efeito provávelmente não passou da "gota no oceano" do costume. 
Artigos anteriores sobre o pântano no HoM: aqui e aqui.

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